Denúncia foi feita pelo Fantástico neste domingo (18). As negociatas envolvem suborno, licitação com carta marcada, truques para escapar da fiscalização.
A Polícia Federal vai abrir um inquérito para investigar a denúncia apresentada neste domingo (18) no Fantástico sobre empresas que oferecem propina para ganhar contratos em um hospital público. As negociatas envolvem suborno, licitação com carta marcada, truques para escapar da fiscalização. Tudo à luz do dia, sem nenhum disfarce.
O hospital de pediatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro é considerado uma das unidades infantis mais importantes da América Latina. Com a autorização de dois diretores, o repórter do Fantástico Eduardo Faustini se passou pelo novo gestou de compras do hospital.
“Todo comprador do hospital acaba sendo visto como desonesto. A associação do cobrador desonesto e do fornecedor desonesto acaba lesando os cofres públicos. E a gente quer mostrar que isso não é assim. Em alguns hospitais não é assim que funciona.”, alertou o diretor do Instituto de Pediatria da UFRJ, Edmilson Migowski.
Durante dois meses o repórter ocupou uma sala que foi equipada com microcâmeras. Ele convocou licitações em regime emergencial. Quatro empresas que estão entre as maiores fornecedoras do governo federal foram escolhidas pelo suposto gestor. Três delas são investigadas pelo Ministério Público por diferentes irregularidades.
O funcionário Cassiano Lima é gerente da Toesa Service, uma locadora de veículos convidada para a licitação de aluguel de quatro ambulâncias. Nas imagens, Cassiano falou em códigos. A palavra camisas se refere à porcentagem desviada e a propina aumentou.
“Dez camisas, então? Dez camisas?”, sugere.
“Pode melhorar isso, não?”, pergunta o repórter.
“Quinze”, aumenta.
“Pode melhorar isso, não?”, pergunta o repórter.
“Quinze”, aumenta.
A funcionária Renata Cavas é gerente da Rufolo Serviços Técnicos e Construções. A empresa foi chamada para a licitação de contratação de mão de obra para jardinagem, limpeza, vigilância e outros serviços.
“Eu quero o serviço. Você escolhe o que você quer. Vou fazer. Faço meu preço, boto. Qual é o percentual? Dez?”, questionou Renata.
O repórter Eduardo Faustini quis saber se a gerente é capaz de aumentar ainda mais a propina.
“Eu pensei em 20%”, disse ele.
“Tranquilo, você manda. Eu quero o serviço”, afirmou Renata.
“Tranquilo, você manda. Eu quero o serviço”, afirmou Renata.
Nas imagens, também aparecem Carlos Alberto Silva, diretor da Locanty Soluções e Qualidade, e Carlos Sarres, gerente da empresa, que foi convidada para a licitação de coleta de lixo hospitalar.
“Você fala em matéria de percentual? Percentual, o preço que der, a gente abre para você o custo e a nossa margem, e a gente joga o percentual que você desejar, que você achar que encaixa”, disse Sarres.
“A margem, hoje em dia, fica entre 15 e 20”, contou Silva.
Segundo os representantes dessa empresa, ninguém perceberia o pagamento do suborno.
“Onde você marcar. Os caras são muito discretos. Nem parece que é dinheiro. Traz em caixa de uísque, caixa de vinho. Fica tranquilo. A gente está acostumado com isso já.”, afirma Sarres.
Já David Gomes, que também aparece nas imagens, é o presidente da empresa Toesa. Ele garante que o golpe é seguro.
“Bateu o crédito na conta. No máximo 48 horas depois, está na sua mão”, contou. Ele disse ainda que o pagamento sempre é feito em dinheiro.
“Que tipo de moeda?”, perguntou o repórter.
“A que você quiser. Normalmente em real, o real está mandando aí”, explicou ele.
Já Renata Cavas, gerente da Rufolo, fez outra visita à sala do suposto gestor. O repórter Eduardo Faustini perguntou qual seria o melhor lugar para entregar a propina.
“Shopping, praia. Shopping. Subsolo, discreto. Quinta da Boa Vista! Sensacional. Floresta da Tijuca. Olha aí que bacana”, diz ela.
O presidente da Rufolo também foi ao hospital. O empresário falou abertamente sobre o pagamento da propina.
“O mercado pratica 10%, é o normal, é o praxe. Aí tem uma negociação melhorzinha e faz para 15%. Hoje, 20% eu não vejo mais no mercado”, disse.
Jorge Figueiredo, que também aparece nas imagens, é representante comercial da Bella Vista Refeições Industriais. “Somos uma empresa aberta para negociação. Forneço para Jardim Zoológico, Guarda Municipal. Forneço para Policia Civil, a gente está em todas”, disse ele.
Ele contou que o suborno poderia ser em cima de cada item fornecido. “Isso é bom quando você está falando de três, como eu tenho aí. Eu tenho fornecimento de 12 mil serviços por dia. Aí, meu irmão. “Tu bota” 12 mil serviços em um dia, acrescentando mais um real em cada serviço e projeta isso para 30 dias. Aí é o diabo”, diz.
Depois do encontro, a empresa desistiu de continuar a negociação. Mesmo assim, nossa equipe foi à Bella Vista ouvir a explicação do representante, que não quis se manifestar.
A lei exige concorrência mesmo em caráter emergencial. Mas não é bem assim. Os flagrantes mostram que a empresa que corrompe se oferece até mesmo para trazer concorrentes e montam um teatro. Os concorrentes participam da licitação com orçamentos mais altos. Entram para perder.
O representante da Toesa voltou à sala do suposto gestor com as propostas que deveriam ser conhecidas apenas na abertura dos envelopes. E deu os valores, em milhares de reais.
“Dois, oito, zero. O nosso, Toesa. O outro é 313”, disse o representante. A funcionária da Rufolo falou a mesma coisa.
No dia do pregão, os representantes das empresas foram ao hospital para completar a farsa. Se o contrato fosse cumprido, a Rufolo receberia R$ 5.184.000. A propina seria de mais de R$ 1.036.800.
A situação se repetiu na licitação para a escolha da Locanty, de lixo hospitalar. A empresa conseguiria a verba de R$ 450 mil. O que daria de propina quase R$ 70 mil. E o mesmo aconteceu na disputa fraudada pela Toesa para fornecimento de ambulâncias. A Toesa ganharia R$ 1,680 milhão pelo contrato. O desvio seria de R$ 250 mil.
Por telefone, o presidente da Toesa negou participação em fraudes. “Vocês cismam que tem carta marcada e não tem prova para isso. Você tem prova de que existe licitação de carta marcada?”, disse David Gomes.
Durante a reportagem um funcionário de David Gomes apareceu fraudando a licitação, como mostram as imagens do vídeo.
Já o empresário Rufolo Villar aceitou falar, mas a entrevista foi desmarcada por uma secretária.
A equipe do Fantástico também foi à Locanty. O gerente Carlos Sarres negou as acusações. ‘Desconheço completamente. Isso chega a ser fantasioso”, disse.
Por email, a Locanty informou que afastou temporariamente o gerente Carlos Sarres.
O ministro-chefe da Controladoria Geral da União, que é um dos principais responsáveis por combater a corrupção nos órgãos federais disse que em oito anos mais de 3,5 mil funcionários públicos foram punidos por participar de fraudes. Ele defende que haja também maior rigor para os maus empresários.
“Existe uma noção pré-concebida contra o funcionário público, que ele é o mau, ele é o corrompível, enquanto que o empresário, o setor privado, é puro, é eficiente, é eficaz. Associada à noção de que a empresa tem que entrar nesse jogo, porque senão ela não leva vantagem porque as outras vão fazer. Isso distorce o mercado, distorce a competição e no longo prazo prejudica todo mundo”, comenta Jorge Hage, ministro da Controladoria Geral da União.
“A pessoa que rouba da saúde deveria ter o dobro da pena, porque quando você rouba o dinheiro da saúde, você mata as pessoas”, diz Edmilson Migowski.
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